'Rapper' do Flu, Cavalieri ainda se vê longe de virar São Diego: 'Falta muito'

O rap "Homem na Estrada", dos Racionais Mc's, começa falando de um recomeço na vida e do sentimento de provar para todos uma mudança em relação ao passado recente. Deixando de lado a estética do crime sempre tão utilizada nas letras do grupo paulista, Diego Cavalieri acaba fazendo da letra um paralelo com a sua própria trajetória. O goleiro, que em 2008 deixou o Palmeiras rumo ao Liverpool-ING para sair da sombra de Marcos, acabou tendo raras oportunidades na Europa, conviveu novamente com o banco de reservas e passou por um período complicado até chegar ao Fluminense no fim de 2010. De início, o recomeço, mais uma vez, não saiu conforme o esperado, mas a volta por cima, como a do tal homem na estrada, veio. E hoje ele assume em seu estilo discreto estar vivendo o melhor momento de sua carreira.

Diego Cavalieri está muito feliz com momento pelo Fluminense (Foto: Rafael Cavalieri/Globoesporte.com)

Aliás, a discrição é característica marcante do goleiro. Fã assumido e conhecedor das bandas de rap nacional, Cavalieri assume que gosta até do estilo característico dos mc's de se vestir. As calças largas e os tênis maiores estão em seu armário. Mas é raríssimo vê-lo trajando as vestimentas no dia a dia. O motivo é simples, e ele explica.

- Se venho assim o pessoal vai me sacanear para caramba (risos). Mas eu gosto muito mesmo não só das músicas como das roupas. Tenho várias. Quanto ao som, escuto o dia inteiro. Racionais, GOG, Dexter... São vários - disse Diego, que lembrou até do novo single dos Racionais, "Marighella", do aguardado novo CD ainda não lançado.

No bate-papo com o GLOBOESPORTE.COM, Diego falou um pouco mais sobre seu lado família fora dos campos, mas não deixou de comentar também a trajetória com mais baixos do que altos até chegar a ser chamado de "melhor goleiro do Brasil" pela torcida do Fluminense, a mesma que o vaiou nos primeiros jogos pelo clube. A alegria é grande, assim como a vontade de ficar por muito mais tempo no clube e, quem sabe, ganhar a alcunha de santo, como a sua maior inspiração, o ex-companheiro Marcos. O caminho para tanto ele sabe que é longo, mas já tem o atalho.

- Títulos. Só assim a gente chega lá. Estou muito feliz no Fluminense, um clube grande com uma torcida maravilhosa... O reconhecimento hoje existe e me deixa orgulhoso, mas ainda preciso percorrer muita coisa para virar o São Diego - explicou.

Este e outros assuntos você confere na íntegra da entrevista abaixo.

GLOBOESPORTE.COM: Você está com 29 anos, vivendo um momento especial no Fluminense. Acha que está no auge da sua carreira?

Diego Cavalieri: Realmente é um momento muito bom. Tive uma grande fase em 2007 no Palmeiras, mas estou muito feliz com a equipe como um todo aqui. Somos os donos do segundo melhor ataque e da defesa menos vazada. Os jogadores estão conseguindo um destaque individual. Mas por tudo que passei, estou feliz pelo momento. Agora é continuar trabalhando. Conforme você vai demonstrando um bom futebol, a cobrança vai aumentando. A vida é assim.

Você lembrou quando surgiu no Palmeiras. Qual a diferença daquele bom momento para a sua fase atual?

No Palmeiras foi uma boa fase também, mas hoje estou com muito mais experiência. A vivência traz uma facilidade em certas situações. Hoje eu administro muita coisa de maneira mais fácil. Estou contente por estar vivendo isso junto com a equipe. Esse ano conquistamos o Carioca, fomos eliminados por um detalhe da Libertadores e agora estamos brigando pela ponta no Brasileiro. É um momento especial.

A torcida tricolor passou a chamá-lo de melhor goleiro do Brasil. Ficou feliz com esse reconhecimento?

É bom porque você passa a ser rotulado por uma coisa boa. E o que foi feito no início ficou pra trás. Fui criticado, vaiado e hoje vivo um bom momento tendo esse reconhecimento. Como disse, é continuar trabalhando pra manter o alto nível, focado como sempre fui... Mas fico feliz sim com isso.

Você relembrou as críticas e as vaias no seu início no Fluminense. Acha que faltou um pouco de paciência por parte da torcida tricolor?

Não vejo como falta de paciência. Realmente não estava rendendo o esperado. A torcida cobrou como tem de cobrar, e o treinador mudou como tem de mudar pelo bem da equipe. Sabia que teria de esperar uma nova oportunidade. O meu segredo é trabalhar muito quando a fase está ruim e quando está boa também.

Diego Cavalieri relembrou percalços até chegar ao Fluminense (Foto: Rafael Cavalieri/Globoesporte.com)

O que passou pela sua cabeça quando você foi sacado do time após o início abaixo do esperado? Bateu aquele desânimo, a insegurança?

Foi difícil. Passam milhões de coisas pela cabeça. Você começa, sim, a se questionar e fica pensando: "Será que eu desaprendi?". Mas sempre tive uma estrutura boa, uma família forte e me dediquei ao trabalho. Sabia que tinha de continuar trabalhando e esperar pela nova oportunidade. Foi o que eu fiz. O Abel e o Marquinhos (preparador de goleiros) me deram muita confiança, conversaram comigo... Quando voltei sabia que a cobrança seria enorme. Se eu errasse um tiro de meta, iriam começar a falar. Agradeço muito a eles dois. Mas o fundamental foi me manter quieto e agarrar na família.

No Fluminense você iniciou uma retomada da sua carreira após passagens frustrantes pelo futebol europeu. Como foram os anos por lá?

Vinha de dois anos muito bem no Palmeiras. Aprendi muito com o Marcos, que me ajudou e é uma pessoa por quem tenho gratidão, respeito e admiração. Aí apareceu o Liverpool. Era um clube grande, e a negociação foi boa para mim e para o Palmeiras. Fui com contrato de quatro anos, tinha uma vida boa até financeiramente. Mas não estava contente. Queria jogar. Abri mão de dois anos em busca de um objetivo. Fui para um clube menor na Itália, o Cesena. Era um desafio novo, mas mais uma vez não joguei. Aí veio o Fluminense me abrir as portas e depois de cinco jogos volto para o banco. A gente abre a mão de algumas coisas, e elas não andam. Se eu tivesse largado lá poderia ter sido o fim da minha carreira. Foram momentos complicados, mas consegui administrar.

Por tudo isso que você viveu, bate um arrependimento de ter deixado o Palmeiras?

Não tenho arrependimento, não. Fui para o Liverpool, um grande clube. Larguei tudo porque queria jogar. Mas tudo que vivi foi um aprendizado. Foram momentos bons e ruins, e de tudo se tiram lições.

Você citou o Marcos anteriormente. Ele é um dos seus grandes ídolos? Uma fonte de inspiração?

Sem dúvida aprendi muita coisa com ele. O Marcos tem um coração fantástico e me ensinou dentro e fora de campo. Ele é querido por todos. No mundo do futebol, onde existe muita rivalidade e competitividade, isso é algo muito difícil de acontecer. É uma referência que tenho na vida.

Ele se aposentou como São Marcos. O que falta para você virar o São Diego?

Falta coisa para caramba (risos). Falta Libertadores, Copa do Mundo... Ele é "São" porque conquistou muitos títulos. A gente sabe que o jogador só fica na memória com títulos. O goleiro precisa dessa regularidade, mas tem de marcar também seu nome nas conquistas.

E a seleção brasileira? Mais uma vez você acabou não sendo convocado pelo técnico Mano Menezes. Você já disse em diversas oportunidades que se trata de um objetivo seu. É um sonho que vem de muito tempo?

Toda criança nasce e bota camisas de clube e da Seleção. Eu tive isso, meu pai sempre me vestiu assim. É um objetivo que eu ainda tenho, mas temos excelentes goleiros no Brasil. Alguns estão um passo na frente, e isso é normal. Tenho de manter a regularidade e fazer um bom trabalho. Não sou aficionado. O treinador tem um leque imenso de opções. Vamos deixar que ocorra naturalmente.

Diego Cavalieri relembrou o aprendizado que teve com Marcos (Foto: Rafael Cavalieri/Globoesporte.com)

Você teve passagem pelas seleções de base. Vai ficar uma frustração caso não alcance o grupo principal?

Não é uma frustração, mas vai ser um dos objetivos que eu tenho na vida que não vou conseguir. Chato, mas não é o fim do mundo.

E a adaptação ao Rio de Janeiro. Já se sente um carioca?

Nada. Ainda estou muito branco e precisando tomar um sol para virar carioca (risos). Mas estou muito contente. A minha família também. O clima é maravilhoso, e fico feliz por defender um grande clube com uma torcida maravilhosa. É extremamente importante estar bem instalado não só no trabalho como também na vida pessoal.

Como é o Diego Cavalieri longe do dia a dia do Fluminense?

Sossegado como aqui. Saio mais para comer e agora com o nascimento do meu filho para passear com ele. Bem tranquilo mesmo.

Quais os seus hobbies? O que faz para passar o tempo?

Escuto muito rap. Racionais, Dexter, Gog... Por ter sido criado na Zona Sul de São Paulo, sempre gostei muito de escutar essas músicas. As letras são muito fortes e vão ao encontro da realidade que muitos vivem diariamente.

Você cita a sua família a todo instante. Qual a importância dela para você?

Ter uma boa base familiar é importante para a vida do ser humano. São pessoas que, se a fase está boa ou ruim, estão sempre ao seu lado. Nos momento de dificuldade te controlam, são fundamentais para você manter a calma.

O fato de o Fluminense ser uma tradicional escola de goleiros fez com que a pressão em cima de você aumentasse?

A cobrança em certos casos é muito grande. Uma falha e tudo muda. Pela história do Fluminense a gente sabia disso. Mas mesmo agora, em um bom momento, a pressão vai existir. É continuar trabalhando.

A passagem pelo futebol europeu não foi a que você esperava. Ainda tem como objetivo brilhar por lá?

Não. Tive a oportunidade de ir e não consegui jogar. Vivi a realidade de um grande clube e a de outro de menor expressão. Conheci os dois lados e agora, depois disso tudo, estou muito bem. O Brasil está vivendo outra realidade, vendo grandes jogadores como Fred, Seedorf, Deco e Ronaldinho Gaúcho retornando e jogando bem. Isso mostra o crescimento e principalmente a competitividade. Na Europa, em certos campeonatos são dois ou três clubes disputando. Aqui não. O Brasileiro é gostoso de jogar porque não tem nenhum jogo fácil. É continuar trabalhando para renovar.

Aos 29 anos e com o pensamento de conseguir essa renovação, a gente percebe que encerrar a carreira pelo Fluminense é uma possibilidade viva na sua cabeça. É esse o objetivo?

Estou muito contente com o clube e com a cidade. Espero continuar assim para quando chegar próximo do fim do contrato (que se encerra no fim de 2014) assinarmos uma renovação. Meu objetivo é ficar aqui por muito tempo.

Entre tantos jogos desde que chegou ao Fluminense, tem como eleger o mais marcante?

Sempre me perguntam esse tipo de coisa. "Qual a defesa mais difícil?". E eu sempre falo que são todas. O goleiro precisa defender as bolas fáceis e as difíceis também. Mas acho que dá para eleger o jogo contra o Náutico. Realmente aquele foi muito intenso. Fora muitas bolas próximas da área. Foi um dos melhores da minha carreira.

Neste Brasileiro você perdeu um jogo em função de um problema médico. Na época, se falou que poderia ser algo mais grave. Mas a recuperação foi boa e no jogo seguinte você reassumiu o gol. Como foi aquela semana?

Ninguém quer ficar fora das partidas. Mas eu realmente não estive bem durante a semana. Tive uma melhora e achei que dava para treinar, mas 20 minutos depois voltei a me sentir mal. Para o goleiro é diferente perder uma semana de treino e ir para o jogo. Não tinha como. Tenho minha responsabilidade assim como a comissão técnica e o departamento médico. Não poderia expor o time atuando abaixo do meu normal, sem estar na melhor condição... O Berna entrou e foi bem. E eu fiquei feliz por não ter sido nada grave.

Outro que você citou na conversa foi o técnico Abel Braga, que sempre confiou no seu trabalho. Ele está entre os treinadores mais importantes da sua carreira?

A qualidade dele é indiscutível. O Abel consegue administrar um grupo inteiro mantendo o clima de amizade e carinho. Só faz isso quem tem caráter. É um treinador que representa muito para mim pelo profissional e por ser um ser humano fantástico que abraça todo mundo. Isso é muito raro.
Fonte: Globo Esporte

Postar um comentário

0 Comentários