Renato no Flu: A quinta passagem que durou só quatro meses

No fim da temporada, com o time fora da Libertadores, muitos problemas foram expostos, entre eles direitos de imagem e salários atrasados, além de renovações indefinidas. Você também teve que administrar isso?

Sempre procurei resolver da melhor maneira possível. Presenciei várias reuniões dos jogadores com o presidente e com o vice (Ricardo Tenório na época). Procurei segurar daqui, segurar dali, que é o trabalho do treinador. Mas sempre teve esse problema, desde que cheguei. Eu tinha que segurar meu grupo. Agora, estavam no direito de reivindicar o que eles tinham para receber. Conversava com a diretoria, falava com eles que tinha de pagar jogadores. E falava com os jogadores que estava brigando por eles, que era o meu papel. Agora, o dinheiro não sai do meu bolso. Eu não tenho a caneta. Só que tudo estoura no treinador. 

Esse ano falou-se muito da redução do investimento da Unimed, principalmente depois da sua saída, em abril. Quando estava lá, a grana já estava curta?

Não, não. Normal. Sempre pagou os caras em dia, tanto é que ninguém se queixa da Unimed. Meu salário sempre esteve em dia, como o de todo mundo. 

E para contratações? 

Quando cheguei, conversava com o doutor Celso, conversava com o Peter, sobre trazer jogadores. Grupo do Fluminense era muito forte. Precisava de um ou outro. Waltinho veio para ajudar, emagreceu. Contratação comigo praticamente foi o Waltinho. Teve o Chiquinho, que eu trouxe, que eu sabia que era curinga. Veio praticamente de graça para o clube. Não sou treinador que chega e peço um cara de dez milhões de reais. Trouxe o Chiquinho da Ponte Preta, ninguém conhecia, e ele ajudou. Titular em boa parte da temporada. Curinga que todo treinador quer. Jogou na lateral, na meia, como segundo atacante. E eu que trouxe ele, porque assisto à Segunda Divisão. E deve ficar. Se ele não ficar no Fluminense, outros clubes, ou eu mesmo se tiver em outro clube, vou levar. Versátil e barato. 

Alguns jogadores saíram do Fluminense, a permanência de outros é incerta. É um ciclo que se encerra. Encara como normal?

Normal por vários aspectos. Precisa sempre renovar o grupo, e também a Unimed não vai bancar mais. É o problema do dinheiro. Quem vai pagar esses caras? 

Vê a base pronta para ser usada?

Tem bons garotos lá, sim. Muitos bons garotos. Esse Marlon vai ser um monstro. Se tiver sequência de jogos, vai longe. Tem o Elivélton, que botei para jogar depois de dois anos. Tem que dar segurança para eles. 

Há pouco falou do Waltinho, e o melhor momento dele no Fluminense foi contigo. Ele deu uma entrevista quando o Brasileiro acabou e reconheceu que não foi um bom ano. Seria diferente sob seu comando? 

Se você perguntar de novo para ele pode ter certeza que ele vai falar que não foi bom para ele desde a minha saída para cá. 

Essa queda de rendimento e de dedicação dele está ligada a isso?

Eu tenho uma qualidade que poucos treinadores têm. Que fique bem claro que não estou criticando o Cristóvão. Sabe qual é? É você saber levar o jogador. Mesmo quando não joga. O tratamento tem que ser igual com todo mundo e sempre faço isso no meu grupo. Daqui a pouco pode inverter e eu vou precisar daquele cara. Tem que saber levar o cara. Mesmo não jogando, o Waltinho estava emagrecendo a cada dia, estava fininho, fazendo gols, me ajudando muito, ajudando o Fluminense. Depois, ele largou. Por que ele largou? Pergunta se o ano não foi ótimo para ele enquanto eu estava no Fluminense. A partir daí, tem que perguntar para ele. 

Era um risco contratar o Walter?

Não. Walter é um cara novo (25 anos), tem um potencial fo......, fez muitos gols no Goiás, chegou ao Fluminense e emagreceu. É um p... jogador! Vai falar das qualidades do Waltinho? Está de brincadeira! Um cara que fez 13 ou 14 gols no Brasileiro. Teve um ano maravilhoso no Goiás, é um jogador interessante, muito interessante. 

Como você trabalhava a cabeça dele?

Conversando com ele todos os dias. Eu confiava tanto nele e ele confiava tanto em mim que me confidenciou um assunto muito particular dele, ninguém sabe até a hoje, só eu sei. Eu o ajudei na parada, aconselhei, e ele ficou com a cabeça boa para jogar. Então, pela confiança que ele tinha em mim, me confidenciou esse problema. Quando ele te fala isso, é porque confia. Sabia que gostava muito de mim. Quando saí, me ligou, mandou torpedo. Agora, essa é uma grande qualidade de saber levar o jogador. E eu sei. Não foi só no Fluminense, mas em todos os clubes. Essa qualidade você tem ou não tem. Eu sei do que jogador gosta, do que não gosta. Sei como você tem que conversar com o jogador. Eu joguei durante 20 anos. Tem que entender o problema deles.

Como foi trabalhar com o Fred? Vocês têm personalidade forte, imaginava-se que poderia dar errado. Como foi a relação?

Muito boa, muito boa, muito boa, muito boa, foi ótima. O Fred chegou à seleção brasileira graças ao meu preparador físico. Ele não jogava há cinco meses, ele estava correndo contra o tempo. Eu falava com o Parreira (ex-coordenador da Seleção), eles me ligavam, falava com o Felipão (ex-treinador da Seleção) sobre o Fred. A gente dava um tratamento especial para ele em termos de treinamento. Ele estava voltando de uma lesão muito perigosa (muscular) e se sentisse aquela ou qualquer outra lesão não iria para a Copa do Mundo. Eu conversava com ele diariamente. A gente fazia trabalho especial, recuperando. Quando estava alcançando a forma ideal dele, eu saí. Meu convívio com ele foi muito bom, conversávamos diariamente sobre a situação dele, sobre o sonho de disputar a Copa, ele tinha que estar bem, tinha que fechar a boa, tinha que treinar, seguir a programação do preparador físico e do Filé. Tanto é que ele seguiu e foi embora. Inclusive eu banquei ele muitas vezes. Muita gente falava que ele estava mal, que não conseguia correr, que estava com medo de se machucar. Durante os jogos sempre banquei ele, sabia que faria bem para a cabeça dele, mesmo ele mal. Daqui a pouco faria um gol e chegaria bem na Seleção. 

Mas o desempenho do Fred não foi bom na Copa. Fez um gol em seis jogos. As críticas foram exageradas?

O problema não é exagerar ou não exagerar. Ele é um cara diferenciado e foi cobrado. Ele não é um perna-de-pau, que ninguém queria na Seleção. Ele foi com todo mundo apoiando, Felipão fez o certo, mas infelizmente ele chegou num momento não muito bom na Seleção. Só isso. Não conseguiu desenvolver o que sabia. Mas não dá para discutir as qualidades do Fred. Foi um momento ruim na Copa do Mundo, tanto é que foi artilheiro do Brasileiro agora (18 gols). Ele é um jogador que hoje em dia é difícil ver em outros clubes, ele é de área. 

Você tem história nos quatro clubes do Rio. Esse ano o Flamengo chegou a ser lanterna do Brasileiro, o Vasco subiu sendo vaiado por sua torcida, o Botafogo caiu e o Fluminense sofreu eliminações duras e não chegou à Libertadores. O momento do futebol do Rio te preocupa? 

É aí que eu falo da história do Celso Barros. O problema é que os clubes não têm dinheiro para investir. E sem investimento você não faz times fortes, a não ser que ache quatro ou cinco jogadores da base. Só que não base não é da noite para o dia, tem que dar tempo para não queimar os garotos. O problema dos clubes do Rio é dinheiro. O Fluminense teve a melhor campanha porque teve a Unimed, tinha um grupo forte. Os outros não tiveram. E é aí que eu falo: uma hora a conta chega. Não vai acontecer comigo? Vai sim. Não vou cair? Mas a conta chega uma hora. E ela chega. Então, tem que ver o que aconteceu durante o campeonato, se o grupo era forte ou não. É muito fácil culpar treinador, mas o que ele tinha nas mãos? Tem que botar na balança e ver. 

Consegue enxergar uma recuperação rápida?

Não adianta criticar o futebol carioca. O futebol carioca vem assim há anos. É uma situação muito difícil. Até porque não tem jogadores disponíveis no mercado. 

Falta craque? Jogadores como Romário, Renato Gaúcho...

Isso não vai encontrar mais! Nos próximos anos não vai encontrar. Só um ou outro, como o Neymar, que despontou agora. Não vai encontrar esse tipo de jogador aí, não. Vai longe! Vai, vai, vai, vai! Não vejo assim nos próximos anos. Talvez um desponte como o Neymar. Talvez Neymar só esteja na lista dos melhores do ano porque joga no Barcelona. Merecidamente. Mas se jogasse no Brasil talvez não estivesse.

Você tem 52 anos de idade e 34 de futebol. Já viu uma crise de talentos tão grande?

Não. Na minha época eram oito craques para cada posição e mais dez grandes jogadores para cada posição. Na própria Seleção o Felipão teve que quebrar a cabeça. E ele poderia convocar quem quisesse. No clube você não encontra.

Viu futebol nesses oito meses?

Vejo tudo. Primeira e Segunda Divisão. Quase não saio, então vejo tudo. Até porque amanhã ou depois eu estou trabalhando e sei onde buscar. Foi como aconteceu lá no Grêmio. Em 2010, levei três ou quatro jogadores que ninguém conhecia. O Paulão, esse que está no Inter, chegou de graça praticamente ao Grêmio e depois de sete meses foi vendido por U$ 3,5 milhões. Eu conhecia, da Segunda Divisão. 

Disse que aproveitou que está sem trabalhar para cuidar da sua filha. Ela está agora na televisão. Leva jeito? 

Ela faz entrevistas. Ela não precisa, mas tem o salário dela, dinheiro dela. Se quer fazer, faz. Deixa ela curtir, dando cabeçada na vida, ir aprendendo. 

Ela pediu permissão para trabalhar com isso?

Lógico. Apesar de ter 20 anos, ela perguntou e eu deixei. Mas se digo que não é não. Falei que ao vivo ela não estava preparada. 

E gosta de assistir?

Não consigo, fico nervoso. Pai é assim. Você é pai? Não? Então quando você for pai você vai ver.

Nesse tempo em que você ficou calado ela postou dois vídeos em que você aparecia. Gostou?

Tomou muita dura. Ela tem mania de ficar gravando, daqui a pouco ela vai lá e solta. Aí toma dura. Eu peço para ele não entrar muito. Ela é repórter de um programa de televisão, mas rede social eu corto o barato dela, acho que está saindo muito. 

É muito parecida com você?

Totalmente. Divertida, tem personalidade forte. Ela não tem maldade, não vê lá na frente. Mas eu já vejo, por isso eu travo. Ela segue a vida dela, tudo que ela faz ela pergunta, controlo, dou conselho, mas é independente. Ela ganha dinheiro para caramba, faz eventos. Eu aplico. Pago imposto de renda para sobrar dinheiro para ela. Quem cuida do dinheiro dela sou eu. 

Você está feliz com a sua vida pessoal e profissional?

Eu fui muito vitorioso como jogador, estou sendo como treinador. Sou um cara novo, totalmente independente, tenho tudo na vida. O que me deixaria triste? Tenho tudo. Tudo com meu suor, meu trabalho. Deus me deu tudo, saúde, venci na minha profissão. Sou muito feliz. Me dou o prazer de ficar um tempo sem trabalhar.

O que quer mais do futebol?

Ajudar, principalmente os moleques. Os caras que trabalharam comigo podem falar do meu trabalho. Quero ajudar a classe, formar jogadores, fazer vencedores. Fazer minha parte. 

E conquistas pessoais?

Chegar numa seleção brasileira. É o sonho de todo treinador e tenho que sonhar. Sou um cara novo e quero chegar.

Quando o Dunga, que é um cara jovem, chega lá, dá mais confiança?

Chegar na Seleção cada um chega por suas qualidades, seus méritos. O Dunga chegou sem ter treinado um clube. É certo? Eu acho errado. Foi com o Dunga, poderia ter sido com outro. Para ser técnico, tem que ter uma certa experiência. Mesmo trabalhando com os melhores. Ele foi sem nunca ter treinado o clube. Saiu, treinou o Inter um tempo, saiu e voltou para a Seleção. Não acho certo isso, mas não sou eu que vou falar. Acho que não é uma coisa certa. Para ser treinador de Seleção, tem que mostrar no clube. Como é com jogador. Acho que um técnico chega por méritos, nós temos grandes técnicos. Não tenho nada contra o Dunga, é meu amigo. O método da CBF eu acho errado. Não que não tenha valor, mas tem que provar num clube que tem condições de ir para a Seleção. Não gostaria de ter chegado numa Seleção sem ter treinado um clube. Não aceitaria, chegaria perdido. Em Seleção tem que chegar mais consciente, sabendo das coisas. 

Você sempre falou o que pensa. Dia desses Fred falou publicamente sobre atrasos de pagamento no Fluminense, incertezas sobre o ano que vem. O que achou? 

Eu acho certo. Chega num determinado que o cara tem que se posicionar. As pessoas não sabem o que está acontecendo. Ele falou porque mostrou. Ninguém se manifestou do outro lado porque sabem que ele tem razão, não está mentindo. E falou na boa. Bato palmas. Não pode deixar dúvidas. Falta personalidade mesmo. Hoje em dia o cara quer falar o que o assessor quer. Mas nem sempre os assessores estão certos.

Teve de se segurar nesses oito meses para não falar o que gostaria? Se segurou porque era o Fluminense?

Todo dia recebo quatro ou cinco convites para fazer matéria. Quando não estou trabalhando, evito entrevista. Os caras vão levar para o outro lado. Fico mais vendo do que falando.

Você tem desafetos?

Não. O único que eu tinha mais ou menos era o Telê (Santana, falecido em 2006), porque me cortou da Copa do Mundo (de 1986), mas depois fiz as pazes. Não tenho inimigos no futebol. O cara que é meu inimigo é traíra. Não tenho inimigos no futebol e na vida pessoal. Pelo jeito que sou. Não agrado todo mundo. Se o cara não quer falar comigo, não tenho problema nenhum. Mas não tenho inimigos. Onde eu chegar eu chego bem, chego de cabeça erguida. 

É comum nas suas entrevistas falar do lado conquistador. Mas eu não perguntei dessa vez. Significa que você está em baixa?

Estou devagar, estou devagar... (risos).

Te vejo quando na ativa?

Ano que vem, com certeza. Sem dúvida.

Fonte: Ge
Foto: Montagem sobre foto do Flickr/Ge
Texto: Richard Souza

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