Maracanã com cheiro de cinema passa no primeiro teste para clubes


Um amplo saguão, fileiras de bares separadas pelo tipo de guloseimas e bebidas, área de lazer para crianças com direito a videogame e totó, banheiros limpos, orientadores e seguranças bastante prestativos, ótima sinalização, e um aroma avassalador de pipoca. Um ambiente que poderia perfeitamente ser confundido com a entrada de um cinema em um shopping carioca, não fosse o público uniformizado e o acabamento menos luxuoso. Era o nível 1 do setor mais barato do Maracanã, neste caso, o do lado do Fluminense, subindo a rampa pelo portão C - a mesma usada pelas torcidas organizadas. As reclamações no clássico entre o clube das Laranjeiras e o Vasco, no domingo, ficaram por conta de preços de ingressos e alimentos, ausência de pontos de venda de alimentos e bebidas em alguns setores do entorno e falhas pequenas considerando se tratar da primeira operação de uma estrutura colossal.



Do lado de fora, porém, resquícios do antigo Maracanã se perpetuam. Sem triagem bloqueando a passagem de pessoas sem ingresso para as áreas próximas ao estádio, como ocorria na Copa das Confederações, um grande número de cambistas tentava se aproveitar dos desavisados que chegavam ao local buscando ingressos - não houve venda de entradas no domingo nas bilheterias do Maracanã. Agindo livremente na Rua Professor Eurico Rabelo, mesmo em meio a um contingente de respeito da Guarda Municipal e da Polícia Militar, o 'batalhão' de revendedores ilegais de bilhetes remeteu aos velhos tempos do estádio. O ingresso para os setores mais baratos, que custava R$ 60 na bilheteria, pulou para R$ 150 no mercado informal. Alguns ambulantes também conseguiram furar a fiscalização dos agentes de controle urbano da Prefeitura, mas nada que afrontasse a organização.

Visão do campo a partir do nível 5, o mais alto, do Maracanã (Foto: Vicente Seda)
Houve até quem reclamasse da falta de uma barraquinha de cachorro-quente e refrigerante do lado de fora, especialmente no lado vascaíno, onde não havia bares próximos.

- Para nós aqui desse lado está totalmente desconfortável, não tem um banheiro químico do lado de fora, nada para comer ou beber. Trouxe criança e é uma dificuldade quando ela quer ir ao banheiro. Podia ter alguém cadastrado para vender refrigerante e água pelo menos, um cachorro-quente. Não podiam ter mudado tudo (referindo-se ao lado da torcida do Vasco) tão em cima da hora - analisou o vascaíno Edson Pereira, de 43 anos.

Foram observados torcedores desorientados com a nova estrutura, apesar da boa sinalização. Mas o número de orientadores de público colocado no entorno do estádio pelo Consórcio Maracanã S.A. pareceu atender bem à demanda, especialmente pela notória boa vontade dos funcionários que, embora algumas vezes também demonstrassem dúvidas, se prontificaram a chamar ajuda para evitar dar informação errada em todas as vezes que foram abordados pela reportagem do GLOBOESPORTE.COM - sem identificação. Até o secretário de transportes do Rio, Carlos Roberto Osório, entrou no clima e passou a atuar ao lado dos orientadores na descida do viaduto que desemboca na área da estátua do Bellini. Pareceu não querer tirar proveito político da situação. Levou um susto quando viu que estava sendo fotografado e não quis falar muito a respeito.

- Estou só ajudando o pessoal. Nada demais - limitou-se a dizer, antes de voltar a berrar.

- Torcedores do Vasco à esquerda, tricolores em frente!
Especial estádio Maracanã (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Balas de borracha e seis detidos na Rua Eurico Rabelo

A mistura de torcidas, sim, em jogos com contornos mais decisivos, pode ser alarmante. Com a nova organização do estádio, não foi raro ver vascaínos uniformizados passando pelo lado tricolor, e vice-versa. Ao contrário da arquibancada, não foram colocadas barreiras para impedir acesso de torcedores a áreas para os quais os seus ingressos não eram destinados, como acontecia na Copa das Confederações.
Chegada dos torcedores ao Maracanã foi tranquila (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Tudo teria transcorrido bem, não fosse por seis torcedores do clube de São Januário que trocaram de lado de forma intencional para provocar e confrontar torcedores rivais - um deles era menor de idade e foi encaminhado à Vara da Infância e da Juventude. A informação foi prestada pelo juiz Marcello Rubioli, que estava de plantão no Juizado Especial Criminal (Jecrim), já em funcionamento no novo estádio. Foi a única ocorrência registrada pelo órgão o que, se em parte ilustra o clima de tranquilidade, por outro lado chama atenção pela ausência de cambistas detidos. Os brigões deverão ser afastados do estádio.

De acordo com o tenente-coronel João Fiorentini, comandante do Grupamento Especial de Policiamento em Estádios (Gepe), a confusão durou poucos minutos. Ele relatou que um grupo de cerca de 15 vascaínos, não uniformizados, passou para o lado tricolor e começou a provocar os torcedores. Chegou a haver confronto com membros de uma organizada do Fluminense, mas os policiais do Gepe que estavam no local fazendo a escolta dessa torcida conseguiram conter a confusão. Ele confirmou o uso de balas de borracha e spray de pimenta para encerrar o tumulto.

Bambus, bandeirões e torcedores sem camisa

Consultado sobre a polêmica da troca de lado das torcidas, um membro de organizada do Vasco, Eduardo Oliveira, ou Duda, de 33 anos, afirmou "estranhar" o novo local, mas não reclamou. Adiantou que a torcida apoiaria o time e não protestaria dentro do Maracanã. No fim, com a vitória vascaína por 3 a 1, deu certo.

Torcida do Vasco no Maracanã (Foto: Celso Pupo / Agência Estado)
- É um pouco estranho. O trajeto para chegar foi diferente. Mas é a primeira vez que estou vindo nesse novo Maracanã e não posso falar muita coisa. Melhor aguardar e ver como vai ser. Não vai ter protesto. Essa má fase vai acabar. Vamos esperar.

Foi permitida a entrada de torcedores sem camisa e com bandeiras presas a mastros de bambu. Um bandeirão da torcida cruz-maltina foi aberto antes da partida na arquibancada. Permissões concedidas pelo consórcio depois de polêmicas sobre essas questões e o posicionamento da PM e do Ministério Público no sentido de autorizar essas práticas e materiais.

Acesso, escoamento e protesto pacífico

Outro ponto positivo foi a entrada e o escoamento de público. Mesmo em horário bem próximo à partida, quando boa parte dos torcedores tradicionalmente tenta entrar ao mesmo tempo, as filas, à primeira vista grandes, andavam rapidamente - no portão C, da torcida tricolor, às 18h, o torcedor levava em média 20 minutos para entrar no estádio. Vale ressaltar que os torcedores eram revistados com detectores de metais por seguranças privados, enquanto o efetivo Gepe verificava as bolsas e mochilas.

A saída foi rápida. No relógio, foram quatro minutos e 53 segundos do meio da torcida organizada do Fluminense, no nível dois, até a saída do estádio, no portão C. Os ingressos para esse setor estavam esgotados e, portanto, o volume de pessoas na rampa de saída era grande. Foram saudados, na descida, por uma fila de orientadores com "boa noite" e sorrisos.

Horas antes da partida, foi iniciado um protesto, que não ganhou grande adesão. Um grupo caminhava com cartazes, gritando palavras de ordem contra políticos e o que qualificavam como a "elitização do Maracanã". Contra a privatização, eles fizeram um enterro simbólico do estádio em frente à estátua do Bellini, por volta das 17h. A manifestação, organizada pela Frente Nacional dos Torcedores, foi pacífica. Nem mesmo quando passaram em frente à equipe do Batalhão de Choque houve tensão.

Grades que separam as torcidas no Maracanã (Foto: Vicente Seda)
Seguranças privados e policiais do Gepe, que cuidaram da vigilância interna das dependências (somaram 850 homens), interagiram bem. Os militares se posicionavam nos acessos à arquibancada, enquanto os "stewards" se espalhavam entre as cadeiras. Em alguns acessos, porém, foi permitida a aglomeração de torcedores fora dos assentos, mesmo ao lado dos policiais e seguranças, mas não houve problemas, nem reclamações dos torcedores que estavam nas cadeiras. As grades de separação das torcidas, pelo menos no lado tricolor, também sequer foram forçadas. Após o jogo, o Consórcio Maracanã S.A. informou que não houve danos à estrutura e aos assentos do estádio.

Áreas centrais vazias e ajustes

Ao justificar os setores com cadeiras acolchoadas e vazias, a empresa alegou que, por questão de segurança, reduziu a carga em 18 mil ingressos e, por isso, as partes centrais ficaram praticamente sem torcida. Dessa forma, o consórcio descartou que o problema - que para alguns torcedores tornou o ambiente do estádio mais "frio" - tenha relação com o preço dos ingressos. Apesar da diferença de custo, a visibilidade do nível 1 ao nível 5 pode ser considerada excelente, ressaltando apenas a grande distância dos andares mais altos para o gramado.


Ocorreram alguns ajustes em cima da hora. As bilheterias estavam efetuando, até horas antes da partida, retirada de bilhetes comprados pela internet. Após os problemas observados no sábado, quando apenas uma bilheteria prestava esse serviço à torcida do Vasco - as bilheterias de São Januário não efetuaram o serviço neste dia por questões de segurança em virtude da realização do jogo entre Botafogo e Náutico no local -, o consórcio resolveu disponibilizar o serviço. Porém, aparentemente em função de pouca divulgação, poucos torcedores pareciam tirar proveito da medida. Os funcionários no local confirmaram que se tratou de uma "exceção".

As vias nos arredores foram bloqueadas pontualmente no horário previsto: 15h30, três horas antes do início do jogo. No entorno, os torcedores que foram de carro puderam estacionar na Uerj e em dois supermercados próximos, todos cobrando R$ 15 pelo serviço. O Célio de Barros serviu de estacionamento para a imprensa e "auditório" para palestra de orientação a seguranças privados.

Crianças brincam de bater pênalti em área de lazer na arquibancada (Foto: Vicente Seda)
Área de lazer para crianças

No setor atrás do gol da arquibancada tricolor, a área de lazer fazia sucesso com as crianças. Decorado com grama sintética, o local tinha mesas de totó, cobranças de pênalti e até dois videogames de última geração, um deles com sensores de movimento, à disposição do público. Um deles com jogo de futebol e o outro com simulação de dança. Angela Maria Almeida, paparicando os dois netos que brincavam de bola e foram com ela e o restante da família ao estádio, só reclamou do fato de não haver assentos marcados, apenas setores:

- Gostei muito, só não gostei da desorganização nas cadeiras. Tenho assentos marcados no meu ingresso. Trouxe a minha mãe de 94 anos e só sentei porque um funcionário conseguiu um lugar que seria para deficientes.

Houve relatos de pessoas que ficaram em setores diferentes dos apontados nos seus ingressos

Preços semelhantes aos da Copa

Nos camarotes, luxo. Se nas áreas comuns o torcedor pagava caro para comer, no setor vip o bufê incluído na mordomia trazia um cardápio mais refinado, de salmão a tortinhas de limão. Para os plebeus, o cachorro-quente desceu de R$ 8 para R$ 6. Mas o pacote pequeno de batata frita teve o preço mantido em relação à Copa: R$ 7. O biscoito de polvilho, que custava R$ 6, agora sai por R$ 4. Cerveja, só sem álcool. Com a quantidade de bares à disposição, mesmo no intervalo do jogo, tradicionalmente o período mais movimentado, não houve problema com filas.

- Virou teatro, cinema, mas preferi como está agora por causa do serviço. Para torcer, antes era muito melhor - comentou o tricolor Leandro Freitas, com o seu saco de pipoca na mão.
Preços no clássico foram semelhantes aos da Copa das Confederações (Foto: Vicente Seda)

Fonte: Globo Esporte